CARTA APOSTLICA DO PAPA JOO XXIII 

Fonte:  https://vatican.va  - Site do Vaticano      

INDE A PRIMIS
 O CULTO DO PRECIOSSSIMO SANGUE
 DE JESUS CRISTO

 

Aos venerueis irmos patriarcas, primazes, arcebispos, bispos
e outros ordinrios do lugar em paz e comunho com a S Apostlica.

Venerveis Irmos, saudao e Bno Apostlica,

1. Desde os primeiros meses do nosso servio pontifcio aconteceu-nos muitas vezes - e no raro a palavra foi precursora ansiosa e inocente do nosso prprio sentir - convidar os fiis, em matria de devoo viva e cotidiana, a se volverem com ardente fervor para a expresso divina da misericrdia do Senhor sobre as almas individuais, sobre a sua Igreja santa e sobre o mundo inteiro, dos quais todos Jesus continua sendo o Redentor e o Salvador. Queremos dizer a devoo ao Preciosssimo Sangue.

2. Esta devoo foi-nos instilada no prprio ambiente domstico em que floresceu a nossa infncia, e sempre recordamos com viva emoo a recitao das ladainhas do Preciosssimo Sangue que os nossos velhos pais faziam no ms de julho.

3. Lembrados da salutar exortao do Apstolo: "Estai atentos a vs mesmos e a todo o rebanho: nele o Esprito Santo vos constituiu guardies, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele adquiriu para si pelo sangue de seu prprio Filho" (At 20,28), cremos, Venerveis Irmos, que entre as solicitudes do nosso universal ministrio pastoral, depois da vigilncia sobre a s doutrina deve ter um lugar privilegiado aquela que diz respeito ao reto desenvolvimento e ao incremento da piedade religiosa, nas manifestaes do culto litrgico e privado. Parece-nos, portanto, particularmente oportuno chamar a ateno dos nossos diletos filhos para o nexo indissolvel que deve unir as duas devoes, j to difundidas no seio do povo cristo, isto , o ss. Nome de Jesus e o seu sacratssimo Corao, aquela que pretende honrar o Sangue Preciosssimo do Verbo encarnado, "derramado por muitos em remisso dos pecados" (cf. Mt 26,28).

4. Com efeito, se de suma importncia que entre o Credo catlico e a ao litrgica da Igreja reine uma salutar harmonia, visto que "a norma do acreditar define a norma de rezar", e nunca sejam consentidas formas de culto que no brotem das fontes purssimas da verdadeira f, justo, outrossim, que floresa harmonia semelhante entre as vrias devoes, de modo que no haja contraste ou dissociao entre as que so consideradas como fundamentais e mais santificantes, e que, ao mesmo tempo, sobre as devoes pessoais e secundrias tenham o primado na estima e na prtica aquelas que melhor realizam a economia da salvao universal operada pelo "nico mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus homem, aquele que deu a si mesmo em resgate por todos" (1Tm 2,5-6). Movendo-se nesta atmosfera de reta f e de s piedade, os fis esto seguros de sentir com a Igreja, ou seja de viverem em comunho de orao e de caridade com Jesus Cristo, fundador e sumo sacerdote dessa sublime religio que dele recebe, com o nome, toda a sua dignidade e valor.

5. Se agora detivermos um rpido olhar aos admirveis progressos que a Igreja catlica tem operado no campo da piedade litrgica, em salutar consonncia com o desenvolvimento da sua f na penetrao das verdades divinas, indubitavelmente ser consolador verificarmos que nos sculos prximos a ns no faltaram, da parte desta S Apostlica, claros e repetidos atestados de consentimento e de incentivo para todas as trs devoes supra mencionadas; devoes que foram praticadas desde a Idade Mdia por muitas almas piedosas, e depois foram difundidas em vrias dioceses, ordens e congregaes religiosas, mas que aguardavam da Ctedra de Pedro o cunho da ortodoxia e a aprovao para a Igreja universal.

6. Baste-nos recordar que os nossos predecessores desde o sculo XVI enriqueceram de favores espirituais a devoo ao ss. Nome de Jesus, da qual no sculo precedente se fizera apstolo infatigvel, na Itlia, S. Bernardino de Sena. Em honra desse ss. Nome foram, antes de tudo, aprovados o ofcio e a missa, e em seguida as Ladainhas. Nem foram menos insignes os privilgios concedidos pelos pontfices romanos ao culto para com o Sacratssimo Corao de Jesus, em cuja admirvel propagao tamanha parte tiveram as revelaes feitas pelo Sagrado Corao a Santa Margarida Maria Alacocque. E to alta e unnime tem sido a estima dos pontfices romanos a esta devoo, que eles se comprazeram em lhe ilustrar a natureza, defender a legitimidade, e inculcar a prtica com muitos atos oficiais, aos quais puseram coroamento trs importantes encclicas sobre este assunto. 

7. Mas tambm a devoco ao Preciosssimo Sangue de Jesus, da qual foi propagador admirvel no sculo passado o sacerdote romano S. Gaspar del Bufalo, teve o merecido consentimento e o favor desta S Apostlica. Com efeito, importa recordar que, por ordem de Bento XIV, foram compostos a missa e o ofcio em honra do Sangue adorvel do divino Salvador; e que Pio IX, em cumprimento de um voto feito em Gaeta, quis que a festa litrgica fosse estendida Igreja universal. Finalmente, foi Pio XI, de feliz memria, quem, em lembrana do 19 centenrio da redeno, elevou a sobredita festa a rito duplo de primeira classe, a fim de que, pela acrescida solenidade litrgica, mais intensa se tornasse a prpria devoo, e mais copiosos se entornassem sobre os homens os frutos do Sangue redentor.

8. Seguindo, portanto, o exemplo dos nossos predecessores, com o fim de favorecer ulteriormente o culto para com o precioso Sangue do Cordeiro imaculado, Cristo Jesus, aprovamos-lhe as ladainhas, segundo a ordem compilada pela Sacra Congregao dos ritos, incentivando outrossim a reza das mesmas em todo o mundo catlico, quer em particular quer em pblico, com a concesso de indulgncias especiais. Possa este novo ato do cuidado por todas as Igrejas (cf.lCor 11,28), prprio do pontificado supremo, em tempo das mais graves e urgentes necessidades espirituais, acordar no nimo dos crentes a convico do valor perene, universal, sumamente prtico das trs louvadas devoes.

9. Por isto, ao aproximar-se a festa e o ms dedicados ao culto do Sangue de Cristo, preo do nosso resgate, penhor de salvao e de vida eterna, faam-na os fiis objeto de meditaes mais devotas e de comunhes sacramentais mais freqentes. Iluminados pelos salutares ensinamentos que promanam dos Livros sagrados e da doutrina dos padres e doutores da Igreja, reflitam no valor superabundante, infinito desse Sangue verdadeiramente preciosssimo, do qual uma s gota pode salvar o mundo todo de toda culpa",  como canta a Igreja com o Anglico Doutor, e como sabiamente confirmou o nosso predecessor Clemente VI. 

10. Porquanto, se infinito o valor do Sangue do Homem-Deus, e se infinita foi a caridade que o impeliu a derram-lo desde o oitavo dia do seu nascimento, e depois, com superabundncia, na agonia do horto (cf. Lc 22,43), na flagelao e na coroao de espinhos, na subida ao Calvrio e na crucifixo, e, enfim, da ampla ferida do seu lado, como smbolo desse mesmo Sangue divino que corre em todos os sacramentos da Igreja, no s conveniente, mas tambm sumamente justo que a ele sejam tributadas homenagens de adorao e de amorosa gratido por parte de todos os que foram regenerados nas suas ondas salutares.

11. E ao culto de latria a ser prestado ao clice do Sangue do Novo Testamento, sobretudo no momento da sua elevao no sacrifcio da Missa, sumamente conveniente e salutar que se siga a comunho com esse mesmo Sangue, indissoluvelmente unido ao corpo do nosso Salvador no sacramento da eucaristia. Em unio, ento, com o sacerdote celebrante, podero os fiis com plena verdade repetir mentalmente as palavras que ele pronuncia no momento da comunho; "Tomarei o clice da salvao e invocarei o nome do Senhor... O sangue de Cristo me guarde para a vida eterna. Amm". Desse modo os fiis que dele se aproximarem dignamente recebero mais abundantes os frutos de redeno, de ressurreio e de vida eterna que o Sangue derramado por Cristo "por impulso do Esprito Santo" (Hb 9,14) mereceu para o mundo inteiro. E, nutridos do corpo e do sangue de Cristo, tornados participantes do seu poder divino, que fez surgir legies de mrtires, eles iro ao encontro das lutas cotidianas, dos sacrifcios, at mesmo do martrio, se preciso, em defesa da virtude e do reino de Deus, sentindo em si mesmos aquele ardor de caridade que fazia S. Joo Crisstomo exclamar: "Samos daquela mesa quais lees expirando chamas, tornados terrveis ao demnio, pensando em quem o nosso Chefe e quanto amor teve por ns... Esse Sangue, se dignamente recebido, afasta os demnios, chama para junto de ns os anjos e o prprio Senhor dos anjos... Esse Sangue derramado purifica o mundo todo... Este o preo do universo, com ele Cristo redime a Igreja... Tal pensamento deve refrear as nossas paixes. At quando, com efeito, ficaremos apegados ao mundo presente?At quando ficaremos inertes?At quando descuraremos pensar na nossa salvao? Reflitamos sobre os bens que o Senhor se dignou de nos conceder, sejamos-lhe gratos por eles, glorifiquemo-lo no s com a f, mas tambm com as obras".

12. Oh! se os cristos refletissem mais freqentemente no paternal aviso do primeiro papa: "Portai-vos com temor durante o tempo do vosso exlio. Pois sabeis que no foi com coisas perecveis, isto , com prata ou ouro que fostes resgatados..., mas pelo Sangue Precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e sem mcula" (1Pd 1,1719); se eles dessem mais solcito ouvido exortao do apstolo das gentes: "Algum pagou alto preo pelo vosso resgate; glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo" (l Cor 6,20). Quanto mais dignos, mais edificantes seriam os seus costumes, quanto mais salutar para a humanidade inteira seria a presena, no mundo, da Igreja de Cristo! E, se todos os homens secundassem os convites da graa de Deus, que os quer todos salvos (cf. 1Tm 2,4), porque ele quis que todos fossem remidos pelo Sangue de seu Unignito, e chama todos a serem membros de um s corpo mstico, do qual Cristo a Cabea, ento quanto mais fraternas se tornariam as relaes entre os indivduos, os povos, as naes, e quanto mais pacfica, quanto mais digna de Deus e da natureza humana, criada a imagem e semelhana do Altssimo (cf. Gn 1,26), se tornaria a convivncia social!

13. Era a contemplao desta sublime vocao que s. Paulo convidava os fiis provenientes do povo eleito, tentados de pensar com saudade num passado que fora apenas uma plida figura e o preldio da nova aliana: "Mas vs vos aproximastes do monte Sio e da cidade de Deus vivo, a Jerusalm celestial, e de milhes de anjos reunidos em festa, e da assemblia dos primognitos cujos nomes esto inscritos nos cus, e de Deus o juiz de todos, e dos espritos dos justos que chegaram perfeio, e de Jesus, mediador de uma nova aliana, e do sangue da asperso mais eloqente que o de Abel" (Hb 12,22-24).

14. Plenamente confiamos, venerveis irmos, que estas nossas paternais exortaes, pelo modo como julgardes mais oportuno tornadas por vs conhecidas ao clero e aos fiis a vs confiados, sero de bom grado postas em prtica, no s salutarmente, mas tambm com fervoroso zelo, em auspcio das graas celestes e em penhor da nossa particular benevolncia, com efuso de corao concedemos a bno apostlica a cada um de vs e a todos os vossos rebanhos, e de modo particular aos que generosa e piedosamente responderem ao nosso convite.

Dado em Roma, junto a S. Pedro, no dia 30 de junho de 1960, viglia da Festa do Preciosssimo Sangue de N. S. J. C., segundo ano do nosso Pontificado.

 JOO PP. XXIII

         

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