Comemoração Litúrgica: 18 de fevereiro. Também nesta data: São Simeão, Santo Heládio e São Cláudio
Flaviano, sucessor de São Proclo, ocupou a sede patriarcal de
Constantinopla durante os três anos de 446-449. Seu governo
coincidiu com uma época agitadíssima da Igreja Oriental.
Heresias, graves dissensões e lutas intestinas perturbavam a paz
e tornavam quase insuportáveis a permanência na capital do
império grego. Flaviano, envolvido fatalmente nas
agitações político-religiosas daquele tempo, com a
solidez de suas virtudes, com a firmeza de seu caráter
conservando-se sempre superior e absoluto senhor da
situação, apresenta a figura dum grande Patriarca, digno
da admiração de todos os tempos. A modéstia, unida
à firmeza, à paciência imperturbável nas
situações mais críticas, fizeram com que
não se esquecesse nunca de sua alta posição e das
obrigações a ela ligadas.
Logo após a sua eleição para Patriarca se deu um
fato, presságio de lutas vindouras. Segundo o costume daquele
tempo, o Patriarca eleito enviara ao Imperador os tais chamados
eulógias, isto é, pão bento, símbolo da paz
e concórdia. A oferta de Flaviano foi devolvida, com a
retificação que só seriam aceitas eulógias
de ouro. O Patriarca respondeu: “Ouro e prata não me
pertencem”.
Quando a heresia monofisítica do arquimandrita Eutiches
começou a ganhar terreno em Constantinopla, Flaviano se lhe
opôs, com toda a energia e franqueza apostólica.
Principiou com esta campanha a subida para o Calvário do
intemerato antístite. Eusébio de Doriléia, com um
solene protesto contra a nova doutrina, dera sinal de alarme. Flaviano
convocou um Concílio local em Constantinopla (448); que examinou
a doutrina eutichiana e a condenou. Contra o autor foi lançada a
excomunhão. Tendo na questão o apoio incondicional do
grande Papa Leão I, Flaviano não mais hesitou em entrar
em luta aberta contra os poderosos amigos de Eutiches. Os que como tais
se revelaram, eram o eunucho Crisáfio, favorito e tesoureiro do
Imperador Teodósio II e Dioscuro, Bispo de Alexandria; dois
formidáveis adversários, cuja política outra mira
não visava, a não ser deposição e
expulsão do Patriarca. Para alcançar este fim, todos os
meios, por mais indignos que fossem, lhes eram aceitáveis. Vendo
que o Patriarca não cedia, nem ameaças com o desagrado do
Imperador lhe faziam modificar a atitude, trataram de alcançar
de Teodósio a autorização para convocar um
concílio, com o intuito de, como diziam, restabelecer a paz
religiosa. O Concílio, chamado o latrocínio de Efeso,
realizou-se (449), sob a presidência de Dioscuro. Compareceram
135 Bispos. De um sínodo, onde só inimigos tinham
representação, que justiça Flaviano podia esperar?
De fato o sínodo de Éfeso foi a expressão da
paixão, do ódio, do despotismo sem freio contra o Bispo
católico.
A primeira humilhação foi à
absolvição solene de Eutiches e a
reabilitação de sua doutrina condenada. Seguiu-se a
vergonha de Bispos subalternos declararem deposto o superior e
pronunciarem contra ele a sentença da excomunhão. De nada
valeu a apelação de alguns Bispos, que de joelhos
suplicaram a Dioscuro que não cometesse tamanha injustiça
e retirasse a sentença pronunciada contra Flaviano. A
injustiça aí não parou. De chofre apareceu um
bando de gente armada, entre outros, monges fanatizados chefiados pelo
afamado Barsumas, que com paus e facas se atiraram aos Bispos
católicos, exigindo-lhes debaixo de terríveis
ameaças, a assinatura do documento da deposição e
condenação de Flaviano. Sem exemplo na história
eclesiástica foi o tratamento bárbaro que Flaviano mesmo
sofreu, no meio dos inimigos. O próprio Dioscuro (segundo outros
Barsumas) pisou-o com os pés e as feridas que recebeu dos outros
fanáticos foram tão graves, que morreu três dias
depois.
O triunfo dos inimigos teve pouca duração. Dois anos
depois se realizou o Concílio ecumênico de Chalcedon, que
restabeleceu a honra do grande Patriarca, dando-lhe o título de
Mártir glorioso, que morreu em testemunho da fé
verdadeira. O Papa Hilário, que, como comissário
apostólico, tinha presenciado as cenas horríveis do
sínodo de Éfeso, construiu uma Igreja em honra do Bispo
Mártir. Nela se vê um quadro artístico que
representa o martírio de S. Flaviano. Nota: A Igreja ensina que há em Jesus Cristo duas naturezas, a divina e a humana. A pessoa, porém, é uma só, a de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. A heresia de Nestório, condenada pela Igreja, vê em Jesus Cristo duas pessoas, uma divina e uma humana, uma bem diferente da outra. Eutiches ensinou, contrariamente a fé católica, e ao Nestorianismo que em Jesus Cristo há só uma natureza. Que estas heresias, todas orientais pudessem causar tanta desordem e serem defendidas com tanta paixão, tem em parte sua explicação no caráter dos orientais, que pendem mais para a especulação teórica que os ocidentais. Quase sempre havia naquelas questões fortes elementos políticos e pessoais, que faziam com que degenerassem em espetáculos, como os que observamos na vida de S. João Crisóstomo e S. Flaviano. Reflexões: Admirável foi a resistência que São Flaviano opôs à heresia de Eutiches. Pondo de lado o respeito humano, desprezando a grande influência do terrível heresiarca, Flaviano preferiu morrer a negar a fé. “Ó Timóteo! Guarda o depósito, evitando as profanas novidades de palavras e as contradições duma ciência de falso nome, da qual fazendo alguns profissão, decairão da fé”. Estas palavras do grande Apóstolo dos gentios a seu discípulo Timóteo, Flaviano observou-as escrupulosamente, como se lhe fossem dirigidas. O mesmo devemos nós fazer: guardar a doutrina que nos foi transmitida e não uma, que outros depois inventaram. Da doutrina que nos veio, não nos é lícito tirar um jota, nem lhe acrescentar uma vírgula. “Deus - diz São Paulo – tendo falado muitas vezes e de muitos modos, noutro tempo, a nossos pais pelos profetas: Ultimamente, nestes dias, nos falou pelo Filho”. (Hebr. 1, 2). A palavra do Filho está documentada e depositada na Igreja, que cuidadosamente a conserva nos livros bíblicos e na tradição. Da Igreja é que todos os fiéis recebem a doutrina pura e imaculada. Para que ninguém possa ter queixa, como se a Igreja lhe quisesse impor coisas impossíveis e “reduzir-lhe a cativeiro e entendimento para que obedeça a Cristo”. (2. Cor. X – 5) Deus prometeu à sua Igreja assistência do Espírito Santo, para que lhe servisse de luz nas trevas e de orientação nas dúvidas. Cristo não fundou a Igreja sobre areia, mas deu-lhe sólido fundamento, capaz de opor firme resistência às tempestades. “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. (Mt, 16, 18) Pedro é o fundamento. Pedro conserva a fé. Onde está Pedro está a verdade. Quem se associa a Pedro, está com a verdade. Cristo não podia deixar sua Igreja e sua doutrina ao vai-vem das opiniões humanas, que não têm fixidez alguma e são como areia do mar. O futuro da Igreja não podia ser confiado ao homem sujeito a paixões, erros, preconceitos e ignorância. Como poderia o espírito humano estudar e compreender coisas que estão muito além do alcance? A fé, a doutrina estão garantidas em toda sua integridade pela infalibilidade da Igreja. Conservemos fielmente o sagrado depósito da fé, como a Igreja infalível de São Pedro nô-lo apresenta. * * * * * * * * * TÓPICOS RELACIONADOS
Referência bibliográfica: Na luz Perpétua, 5ª. ed., Pe. João Batista Lehmann, Editora Lar Católico - Juiz de Fora - Minas Gerais, 1959. |