|
O PROCESSO DE JESUS - Segundo Renan = Site Catlico Apostlico Romano = Se voc chegou por sites de busca, acesse nossa Pgina Principal |
II PARTE * Foi preservado o portugus da poca (1921).
II Parte - O Processo segundo Renan Estribados na narrao evangelica que, segundo o proprio Renan, se impe ao nosso respeito pela sua authenticidade historica, procuramos expr, com toda a fidelidade, tudo quanto affecta, substancialmente, o famoso Processo em que fra envolvido, e por que fra condemnado, Jesus Christo. Por essa simples narrao, parece evidente, a todo o espirito sereno e imparcial, que Jesus fra preso, julgado e condemnado com violao flagrante da lei e da justia. O Processo, pois, fra nulo de pleno direito e por conseguinte a pena capital comminada e executada contra Jesus, no fora outra cousa sino um verdadeiro assassinato legal. Pelo que nos consta, tem sido esta, durante 19 seculos, a opinio daquelles que tm encarado i parcialmente a horrenda e inolvidavel tragedia que teve o seu cruento epilogo no topo do Calvario. No podia,portanto, deixar de causar profunda e amarga impresso o apparecimento da obra Vida e Doutrina de Jesus Christo de J. Salvador, onde, pela primeira vez, se tem tentado justificar o iniquo procedimento do Synhedrio relativamente ao Processo de Jesus Christo, e defender sua suposta legalidade. A obra de J. Salvador cahiu, felizmente, no olvido, mas por desgraa veio substituil-a uma outra que encontrou, e encontra ainda, acolhimento enthusiasta, especialmente entre o publico de curta leitura e de senso critico mui limitado. Alludimos Vida de Jesus de E. Renan. (1) E justamente por isso, por sabermos que mais lida e conhecida, que porfiamos em chamar a atteno do leitor sobre as insinuaes, sophismas, falsidades de que lanou mo Renan notocante especialmente ao Processo de Christo, soccorrendo-se, para isso, embora no o declare, da obra do Salvador. (2) Antes disso, porm, recordemos, succintamente, as phases principaes do Processo.
Jesus preso na noite de quinta-feira, 14 de Nisan, ou 6 de abril. Nessa mesma noite de quinta para sexta feira, submettido a dois interrogatorios: o primeiro teve logar cerca de meia noite na presena de Annz; o segundo, mais ou menos s 2 horas da madrugada de sexta, nos aposentos de Caiphs, e perante este ultimo. Naquelle, nada se descobriu em desabono de Christo; neste, compareceram testemunhas que accusaram Jesus de crime contra a existencia do Templo, affirmando que Christo dissera: "Eu posso destruir o Templo de Deus e reedifical-o em tres dias". Mesmo assim, o depoimento era contradictorio. O proprio Caiphs julgou-o insufficiente; este procurou, pois, outro rumo e perguntou a Jesus si era realmente o Christo filho de Deus. E Jesus respondeu: Eu o sou. Caiphs no precisou de mais nada. Considerar-se Filho deDeus era crime de pena capital, e no mesmo instante foi julgado por alguns membros do Synhedrio e condemnado morte. Na mesma sexta feira, desde as cinco horas at cerca das onze da manh, Christo foi submettido a quatro interrogatorios, a saber: O primeiro, perante o Synhedrio reunido, ao completo, ao amanhecer daquelle dia. O segundo, perante Pilatos, mais ou menos s 7 horas da manh. O terceiro, perante Herodes, das oito para as nove. O quarto, de novo perante Pilatos, das dez em diante. No 1. , o Synhedrio confirmou a sentena de morte, pronunciada por alguns membros s duas horas da madrugada. No 2. , Pilatos o achou innocente. No 3 Herodes no descobriu crime nenhum. No 4, Pilatos confirmou a sua opinio anterior sobre a innocencia de Jesus, amedrontando, porm, por uma ameaa popular, condemnou-o morte. Pois bem, Renan, na sua obra citada, comeou a mystificar, sophismar, embrulhar e alterar os factos, desde o primeiro interrogatorio. Cedamos-lhe a palavra: " Comeou o interrogatorio, diz Renan; compareceram perante o tribunal muitas testemunhas preparadas de antemao, segundo o processo inquisitorial exposto no Talmud". Este topico nebuloso. Antes de tudo, que testemunhas so estas? Qual o seu valor moral? Renan muito intencionalmente nada nos diz, a este respeito; apenas nos conta que ahi estavam preparadas de accordo com o processo inquisitorial. Mas o processo inquisitorial no admittia testemunhas falsas. Taes, entretanto, eram as testemunhas em questo; o Evangelho fala claro: "E o Prncipe dos Sacerdotes e todo o Conselho buscaram algum testemunho falso contra Jesus para o poderem matar, e no achavam, ainda que muitas falsas testemunhas se apresentassem. Vieram finalmente duas testemunhas - duo falsi testes - para depor, etc, etc" (Math. XXVI, 59,60, 61) contra Jesus "depunham o falso... e o depoimento das testemunhas era contradictorio; falsum testimonium ferebant adversus eum... t non erat conveniens testimonium illorum". (Marc. XIV, 57,59) Em que estavam, pois, de accordo, as testemunhas, com o processo inquisitorial daquelle tempo? Si Renan entende dizer que o comparecimento e o interrogatorio eram exigidos pelo processo inquisitorial, nos diz uma banalidade; e si entende insinuar, e aqui em que est o ardil de Renan, que testemunhas e depoimentos estavam de conformidade com as disposies legaes contidas no processo inquisitorial, falsissimo, porque no era admittido o depoimento de falsas testemunhas, como no era admitido o depoimento contradictorio. Continuemos. "As palavras fataes, diz Renan, que Jesus tinha realmente pronunciado - Eu destruirei o templo de Deus e o reedificarei em trs - foram citadas por duas testemunhas". As duas testemunhas a que alude o philosopho francez, so as ates duas falsas testemunhas duo falsi testes, que citamos acima e de quem fala S. Matheus. Renan, que tanto gosta de apontar a origem evangelica de suas citaes, devia indicar tambem esta, e especialmente esta, que de uma gravidade excepcional. Mas, est claro, no lhe convinha, e no lhe convinha pela simples razo, que em todos os quatro Evangelhos no ha uma unica palavra que alluda este facto. Jesus nunca disse tal, sabe disso Renan, mas a verdade s vezes prejudica. As fataes palavras foram pronunciadas, no por Crhisto, mas sim pelas testemunhas que desvirtuaram uma expresso proferida por Jesus, desde o inicio de sua vida publica, e , precisamente, no dia em que expulsra os profanadores do templo. Jesus expulsra-os exclamando: "Nolite facere domum Patris mei, domum negotiationis" (Joan 11,16) , isto : no faaes da casa de meu Pae, uma casa de traficancia! De meu Pae? pensaram os judeus escorraados. Quaes so, perguntaram-lhe, as tuas credenciaes, que signal nos apresentas, para que acreditemos que tu s o Filho de Deus? Foi ento que Jesus respondeu: "Destrui este templo, e em tres dias o restabelecerei". Jesus, observa a este proposito S. Joo, serviu-se, aqui, de uma linguagem figurada, entendendo, por templo , o proprio corpo; como si dissesse: matai-me, e depois de morto resuscitarei; a minha resurreio ser o signal. As testemunhas, pois, em presena de Caiphs, quizeram alludir a esta ciscumstancia, mas desvirtuaram, por completo, as palavras de Jesus, dando-lhes um sentido muito diferente. E, Renan, sabe perfeitamente disso. Sabe quanta perfdia ha no fundo dessa interpolao voluntaria das duas falsas tstemunhas. Podia, pois, narrar os factos adstringindo-se, rigorosamente, verdade historica, mas, repetimos, isso no convinha ao filho de Voltaire. Si assim fra, no teria podido, aqui como no resto, forgicar uma Vida de Jesus ad usum Renan, isto , um romance onde a phantasia no raro supre a realidade, onde o meigo nazareno devia figurar com um caracter, mixto de grandezas e baixezas, de heroismos e covardias, um Jesus, enfim, em cujos traos physionomicos havia de prevalecer o cunho, no da sinceridade e lealdade dos evangelistas covos, mas da doblez manhosa e astuta do racionalista do seculo XIX. Mas vamos adiante. "Segundo o judasmo orthodoxo, assim se exprime Renan, elle era um verdadeiro blasphemador, um destruidor do culto estabelecido; ora a lei pune esses crimes com a morte" . Christo, pois, na opinio do romancista francez, teria praticado um duplo crime: um por ter blasphemado do Templo; outro por se ter declarado Filho de Deus. E em apoio do seu asserto cita o dispositivo legal consignado no Levitico e no Deuteronomio. Mas que diz a lei? Eil-o: "Leva o blasphemador fra do acampamento, e os que o ouviram blasfemar, ponham-lhe as mos sobre a cabea e depois todo o povo o apedreje... E quem tiver blasphemado o nome do Senhor, seja condemnado morte" . do Levitico. (Levit. XXIV, 14,16) No citamos, ipsis verbis, o dispositivo do Deuteronomio porque, abrangendo doze versiculos, nos tomaria muito espao; est, porm, condensado nisto: - Deus comndena morte o falso propheta e quem allicia o povo para determinal-o a prestar culto aos falsos deuses. (Deut. XIII, 1 e seg). Pois bem, Christo cahiria na violao do dispositivo legal contido no Levitico? Era cabivel a accusao feita contra Christo, isto , ter elle blasphemado do Templo, e portanto de Deus? Um criterio seguro sobre a culpabilidade de Jesus s podia descansar sobre o depoimento de testemunhas dignas de f. Mas as testemunhas citadas para isso eram falsas, dil-o categoricamente o Evangelho: duo falsi testes (Math. XXVI, 60) , cujo depoimento era contradictorio: "Et non erat conveniens testimonium illorum". (Marc. XIV, 59.). Por lei um tal depoimento e da parte de taes testemunhas, no s era desprovido de valor , como determinava penas contra quem o fizesse. A lei era clara a este respeito: "Non loqueris contra proximum tuum falsum testimonium": No levantars falso testemunho contra o teu proximo (Exod. XX, 16). "Non factes calumniam proximo tuo: No levantars calumnia contra o teu proximo. (Levit. XIX, 13). E si depois de um exame escrupulosissimo, diligentissime perscrutantes, os juizes chegassem a possuir provas de que a testemunha levantra o falso testemunho contra o ru, deviam condemnar a falsa testemunha lei do talio, isto , mesma pena a que teria sido condemnado o imputado, uma vez comprovado o crime: "Reddent et sicut fratri suo facere cogitavit" (Deut. XIX, 16 e seg). Pois bem , contrariamente a quanto determinava a lei, as testemunhas foram deixadas em paz. Apesar deste menosprezo legal, o seu depoimento no foi tomado em considerao, em que pese a Renan, que parece ligar-lhe toda a importancia. E a prova disto est no facto que o Presidente do Conselho, no achando nelle, um ponto de apoio, uma base sufficiente para condemnao, recorrera a outro expediente, interpellando Jesus si era, na verdade, o Christo, Filho de Deus. A resposta affirmativa de Jesus era justamente o crime que se procurava, pois, segundo a orthodoxia judaica, constituia delicto digno de morte. Foi, portanto, condemnado pelo Synhedrio, no porque tivesse blasphemado do Templo, mas, e unicamente, porque se declarra Filho de Deus. Esta declarao tornra-se, de repente, o alvo dos ataques, o nucleo para o qual havia de gravitar toda a questo, a arma da qual haviam de se servir os seus inimigos para votal-o morte. E foi, com effeito, por isso, repetimos, que foi condemnado. O que no significa, alis, que a condemnao fosse legal; pelo contrario. Porque verdade que as passagens do Levitico e Deuteronomio, citadas por Renan, condemnam morte a blasphemia, o suborno, o falso propheta, mas falta justamente provar que o Christo incorrera nestes crimes. Era blasphemador, porque se declarara Filho de Deus? Era falso propheta? Pretendera levar o povo adorao de um Deus que no fosse o Deus de Abrao, Isac e Jacob? A Assembla era obrigada certificar-se, e por isso estudar desapaixonadamente e maduramente a questo. No podia, por ventura, ser realmente, Christo, aquelle msmo, de quem, havia seculos, os Prophetas vaticinaram a vinda? Os signaes caractersticos que lhe definiam a prsonalidade, encontravam-se, na verdade, na sua pessa? Eram perguntas que deviam ter sido feitas e deveriam ter motivado serias e demoradas reflexes. Que haviam dito, de facto, os Prophetas a respeito de Crhisto vindouro? Que teria nascido de uma Virgem (Isaias VII,14), na Cidade de Belm (Micheias V, 2), precedido por um Precursor cuja voz se fazia ouvir no deserto (Isaias XL, 3). Que faria justia ao pobre, e sua lingua seria espada de dois gumes contra a prepotencia dos impios (Isaias XI, 4). Que estabeleceria, em vz dos velhos, um Sacrificio novo e grande, consagrado em todo o universo (Malachias 1,11). Que, montado sobre uma jumenta, entraria triumphante em Jerusalem (Zacharias IX, 9). Que teria sido vendido por trinta dinheiros (Zacharias XI,12). Que lhe teriam arrancado a barba e teria sido esbofeteado, cuspido, flagellado (Isaias L, 6). Que se teria tornado o opprobrio dos homens, a abjeco da plebe, objecto de zombaria e escarneo (Psalmos XXI, 6-7). Que seria desprezado como o ultimo dos homens, que se tornaria o homem das dres, ferido, humilhado, supportando tudo, como um cordeiro, sem emitir um lamento (Isaias LXIII, 3 e seg) . Que na hora do perigo teria sido abandonado pelos seus discipulos (Zacharias XIII, 7), por um destes trahido. (Psal. LIV, 13-14). Todos estes signaes encontravam-se em Christo e constituiam os traos mais firmes e typicos de sua physionomia moral. Havia seculos os olhares dos Patriarchas e dos Prophetas estavam convergidos para Elle; a cada passo era invocado, deseJado, suspirado; os ritos, as cerimonias, os symbolos, no eram sino o Prefacio de uma obra colosal, cujo protagonista havia de ser o Christo-Redemptor. Como, pois, no conhecer sombra das figuras, ao retrato dos Prophetas? Ao menos houvesse uma attenuante em favor do Synhedrio, allegando-se, por exemplo, a ignorancia das Sagradas Escripturas. Mas como admitir isso nos membros de um Supremo Tribunal? E ainda que, por cumulo de condescendencia, se queira, em parte, admittir uma tal anomalia, preciso no se esquecer que um tero do conselho era formado de Escribas, isto , de Doutores da Lei, quer dizer, de technicos e profissionaes. Estes, sem dvida, haviam de conhecer as passagens da Sagrada Escriptura que se referiam pessoa de Christo, e , de outra parte, o Jesus coevono lhes podia ser estranho. De facto, cousas extraordinarias deram-se em Belm, na poca de seu nascimento. Mal attingira a edade de doze annos, fra visto na Synagoga entr os Doutores da Lei, assombrando-os com o seu saber. O Portento das bdas de Chanaan, desde o inicio de sua vida publica, abrira-lhe, de par em par, as portas da celebridade. Os prodigios que, durante tres annos, operara na presena de innumeras tstemunhas, levaram seu nome to alto que, desde as praias da Idumea at as rochas do Antilibano, desde o cabo do Carmelo at s nascentes do Jabbo, no havia quem o conhecesse. Assistia, pois, a estes membros do Comselho, o estricto dever, antes de se abalanarem a uma sentena condemnatoria de tanta gravidade, de consultar os Livros Sagrados, estabelecer parallelos entre o Christo vaticinado e o Christo atual, fazer confrontos, aproximar o retrato ao original contestado, e verificar se havia isomorphia nos traos, semelhana nos desenhos, igualdade nas propores. Era isso o que incumbia a Juizes serios e imparciaes, dispostos a se manterem nas elevadas e serenas regies da justia. Mas nada disso succedera. Aggrediram-n'o, alta noite,como um ladro preso em flagrante, sem mesmo saber de qual crime haviam de accusal-o; e sem julgamento, sem provas, sem defesa, fra da hora legal, precipitadamente, o condemnaram pena capital. E o Sr. Renan, com uma sem cerimonia que assombra, nos vem declarar que o Processo fora perfeitamente legal,que estava de accrdo com as regras juridicas da poca, de plena conformidade com as normas processuaes entre os hebreus! E nos cita at a lei violada por Jesus, que serviu de base ao processo e que justifica plenamente a attitude do Synhedrio. E essa lei, segundo elle, justamente a que se acha consignada no Cap XXIV do Levitico e no XIII do Deuteronomio. Resta apenas conhecer como que Renan sabe que Christo fra condemnado precisamente por ter violado a lei citada por elle. Porque verdade que o Synhedrio e o povo reclamaram a morte de Jesus em nome da lei, mas tambm verdade que, nem o Synhedrio, nem o povo, nem pessa alguma, nunca citou, dessa famosa lei, uma nica palavra, de sorte que, at hoje, depois de vinte sculos, no sabemos em virtude de que lei, afinal, Jesus foi condemnado. Renan no se incommoda por to pouco, e sem mais nem menos, aponta a Lei, cita os Capitulos e exhuma os versiculos. Privilegio exclusivo do poeta e do romancista!
(Prximo tpico: Os "cidados romanos")
Notas de rodap *Para voltar ao texto, clique em um dos tpicos abaixo.
|