Diante de Pilatos

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O PROCESSO DE JESUS  -  A Condenao

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I PARTE (Processo Civil)

* Foi preservado o portugus da poca (1921).

 

 A CONDEMNAO (Jesus de volta a Pilatos)

 Muito expressivo era o reenvio de Jesus. Significava claramente que, no entender de Herodes, Jesus era innocente. Convico que coincidia perfeitamente com a de Pilatos. Christo podia ser um visionario, um allucinado, nunca, porm, um revolucionario, um turbulento, de quem devessem temer as instituies publicas. 

Convencido desta verdade, e no intuito de salvar Jesus, depois de terem, de novo, levado Christo sua presena: 

_ Vde - exclamou, dirigindo-se do terrao aos membros do Synhedrio e ao povo.   _ este homem por vs accusado de revolucionario, perturbador da ordem, entretanto Herodes e eu, depois de o ter examinado, nada descobrimos que merea a morte. Portanto, sujeital-o-ei a uma punio e pol-o-ei em liberdade. (1)  Ha, alm disso, o costume de livrar todos os annos, no dia de Paschoa, um criminoso. Temos um, denominado Barabbas, preso por crime de morte. A quem quereis, pois, que eu d a liberdade, a Barabbas ou ao Rei dos judeus? 

_ A Barabbas, a Barabbas - uivou a turba, acirrada pelos Principes dos Sacerdotes e pelos ancios do povo. (2) - Tolle hunc, morra Jesus, et dimitte nobis Barabbam, e solta Barabbas. (3) 

_ Mas que quereis que eu faa do Rei dos Judeus? 

_ Seja crucificado!

_ Mas que mal tem feito elle? 

_ Seja crucificado! - trovejou a turba allucinada (4)

Era evidente  que o medo comeava a apoderar-se do espirito de Pilatos. Os inimigos de Jesus iam ganhando terreno, e os Principes dos Sacerdotes, colleando entre o povo, aulavam-n'o para que reclamasse com insistencia, a morte de Jesus. (5)  Luta terrivel travava-se na sua consciencia. Possuia provas indiscutiveis  sobre a innocencia de Christo. Sabia perfeitamente que a guerra movida contra Elle no tinha outro motivo seno a inveja, o ciume, o odio. Condemnar, portanto,  um tal homem a morte, teria sido uma clamorosa injustia. Cansado de lutar, ordenou que lhe trouxessem agua, e lavando as mos em presena do povo: 

_ Eu sou innocente- exclamou - do sangue deste justo,  ficar por vossa conta. 

_ O seu sangue foi-lhe respondido - cia sobre ns e sobre nossos filhos! 

Pilatos tentou um ultimo esforo. Mandou flagellar Jesus e depois, esperando mover a compaixo do povo, lh'o  apresentou, do terrao, dizendo: 

_ Eis aqui o homem!

Falhara, porm, o effeito. A turba em vez de compaixo, redobrou de furor e gritou: 

Crucifige, Crucifige! cruz! cruz!  

_ Pois ento crufificae-o vs, - retrucou exasperado Pilatos, _ porque, repito, no encontro, nelle, culpa alguma para condemnao: eu no acho neste homem crime algum. (6). 

E os judeus: 

_ Ns temos nossa lei, e pela nossa lei deve morrer, porque se fez a si proprio Filho de Deus. 

Pilatos tornou-se mais pensativo.

Filho de Deus?  Certamente, um homem extraordinario! E si fosse um protegido dos Numes?  A sua morte seria, sem duvida, vingada. Os coriscos de Jupiter, o dardo envenenado de Marte, as flchas esfusiantes de Phebo, no faltariam contra o audaz que se atrevesse  a ferir de morte a um amigo dos Deuses. 

O governador romano era supersticioso; era, pois, possivel que semelhantes pensamentos lhe agitassem o espirito. Emfim,  reentrou no Pretorio com Jesus, a quem pergunrou: 

_ De onde s tu? 

Jesus no respondeu. 

_ No me respondes? Porventura ignoras que tenho o poder de pr-te em liberdade ou mandar-te cruficar? 

_ No terias esse poder - ponderou Jesus - si no te fosse dado do alto. Quem, porm, me entregou a ti, commetteu peccado maior. 

Realmente, Pilatos estava envolvido neste processo mais pela presso dos judeus do que por sua vontade. Seu desejo, estava visto, era salvar Jesus. Os judeus perceberam o perigo e lanaram mo de um ultimo expediente. 

_ Si o puzeres em liberdade - gritaram - accusar-te-emos de inimigo de Cesar. No pde ser amigo de Cesar, quem defende um indivduo que pretende ser Rei dos Judeus. 

Esta ameaa cahira como um raio sobre a relutancia de Pilatos. A questo j estava  mudada: do terreno religioso passra para o terreno politico, transformando de repente, a face do processo. 

De facto, no se tratava mais de um visionario que queria ser Deus, crime com que nada tinha a vr com o Direito Romano, mas sim de um homem que pretendia ser Rei de um Paiz e de um Povo, havia annos, sujeito s aguias romanas. 

Uma tal pretenso constituia o crime de lesa-magestade, contra o qual se mostrava sempre inexorvel a lei do paiz, especialmente imperando Tiberio, cioso em extremo da sua autoridade. Era o perduellio, delicto contra a segurana do Estado ou contra a ordem publica, reprimido severamente desde os tempos de Tulio Hostilio (7), contemplado nas XII Taboas que, segundo Justiniano, condemnavam o ru morte (8), e na Lei Julia que, segundo o mesmo Justiniano, alcanava sempre quem de tal delicto se tornasse culpado. (9)

A accusao, pois, era gravssima, e o delicto que assacavam a Christo era o maior de todos os delictos, omnium accusationum complementum, diz Tacito. Accresce que, justamente nesses dias, Tiberio acabava de dar um exemplo de rigor, condemnando, por tal crime, Antistio Vetere, de Macedonia. (10)

de notar, alm disso, que na poca em que se desenrolavam os acontecimentos que estamos narrando, reinavam o despotismo mais deprimente e o servilismo mais vergonhoso. Honra, dignidade, fortuna, desgraas, perseguies, tudo dependia da vontade de um s, o Imperador de Roma. Sabia-o perfeitamente Pilatos. Elle mesmo devia o governo da Juda proteco de Tiberio, como Antipa, Agrippa I, Agrippa II, o deviam, respectivamente, a Augusto, Caligula e Claudio. Os que, pela sua posio social, podiam manter-se altivos e independentes, rastejavam vilmente como vermes da terra. O servilismo casara-se com a bajulao, e esta se alastrara de uma maneira tal, que alcanara os caracteres mais rijos, as individualidades mais em destaque do paiz.    

O Senado Romano, que, em tempos no muito remotos, era cercado de uma magestade na verdade imponente, o Senado, que outr'ora, apoiado na sua suprema autoridade, com mo firme e segura regia, soberanamente, os destinos da nao, estava , agora, reduzido a  um miservel rebanho de carneiros e de bajuladores abjectos. Svetonio conta-nos, a este respeito, baixezas taes, que envergonhariam um escravo. Houve  senadores que, por mra adulao, correram a p, diversos kilometros, atraz do coche do Imperador Calgula, querendo dar a entender que no lhes teria sido possvel viver longe da sua presena.  Outros,  jantando com elle, levantavam-se, de repente, da mesa, para, de avental posto, terem a dita  de servir-lhe de copeiros; ao passo que outros ainda consideravam como uma honra, uma felicidade invejavel, poderem comer deitados aos seus ps. E o Augusto, Optimo , Maximo, o Immortal, o Divo Imperador, sabia recompensar, no raro, to nojenta abjeco, com as mais cortantes affrontas. Quando lhe dava na vontade, mandava expulsar do Circo, na hora do espetaculo, e a  vergastas, os personagens mais conspicuos do patriciado romano (11)

E a bajulao no circulava smente pelas altas, mas, e com maior razo, percorria tambm as mdias e infimas camadas sociaes.  Interessante o que, a proposito nos diz, numa das suas satyras, Juvenal: Era o rico fulano um tysico transparente que mal se regia em p? Aos olhos de  seu bajulador era um Hercules. Accendia, o poderoso, a chamin ao esfusiar dos primeiros ventos d'inverno? O seu bajulador era o primeiro a  concordar e affirmar que a estao era extremanente rigorosa e corria casa para envergar a capa forrada de l. Acenava, o rico, ao calor?  O seu  alter ego suava em bagas. Este at achava uma certa graa no modo de arrotar daquelle, e no raro solicitava a honra de tirar auspicios, do que o vlido  deixava no fundo  do vaso nocturno.  (12) Bastaria esta satyra para definir o carater moral  de uma poca. Qualquer aco, pois, por mais torpe que fosse, era licita, comtanto que della resultasse um beneficio pessoal. 

Pilatos era, portanto, o homem do seu tempo: egosta, adulador, covarde e, na occorrencia, cruel. 

Perante a ameaa formal feita pelos judeus, extremeceu e recuou de medo. Ja outras queixas tinham sido levadas, contra elle, perante Cesar. Mas uma accusao como esta, teria sido mais que sufficiente para, na melhor das hypotheses, condemnal-o a aquae et ignis interdictio, isto , abrir-lhe as portas do desterro. E nem por sombra teria cooperado para este fim. 

Era, pois, preciso satisfazer, acariciar a fra, o povo; era preciso adulal-o, e, sobretudo, era preciso conservar-se, custasse o que custasse, no Governo da Juda. Afinal, que lhe importava a vida de Christo?  Que fosse sacrificado, visto que o exigia a sua tranquilidade. O dever tinha que ceder ao interesse, a justia havia de immolar-se em holocausto  das suas conveniencias pessoaes. Tornava-se, Jesus, um obstaculo que lhe atravessava o caminho?  Desembaraar-se-ia delle! Condemnando Jesus morte, adulava Tiberio, agradava ao povo, conservava o Poder e assegurava o futuro. Condemne-se, pois!

Pilatos, tomara, definitivamenbte, a sua resoluo, e desde esse momento, Christo, estava perdido. 

Segundo a praxe, a sentena havia de ser ouvida pelo proprio accusado. Por isso Pilatos mandou vir sua presena Jesus, que se conservara no Pretorio. Outrosim, a lei exigia que a sentena fosse dada em publico, e em logar elevado. Era este o Lithostrotos. Pilatos subio ao throno e mostrou Jesus ao povo, dizendo: 

_ Eis o vosso Rei. 

_ cruz, cruz! - trovejou a multido. 

_ Condemnarei o vosso Rei? 

_ Ns no temos outro Rei a no ser Cesar. 

A victoria estava ganha; o povo deicida tinha triumphado! Pilatos lavrou o decreto fatal; Ibis ad crucem! (13) e entregou, immediatamente, Jesus aos seus encarniados inimigos. 

Duas horas mais  tarde, sobre o cimo cruento do Golgotha, pendia, de um madeiro infame, o corpo livido do filho de Maria!  No momento, porm, em que o Grande Justo  estava para exhalar  o ultimo alento, no instante em que a morte estava para lanar seus  braos Vctima Divina,  a natureza inteira pareceu, de repente, tomada de indescriptvel pavor! O sol escondeu sua face de luz (14), um subito terremoto causou um abalo espantoso (15), fenderam-se as rochas, rasgou-se de alto a baixo o vu do Sancta Sanctorum, e uma immensa desgraa, como uma capa de chumbo, pareceu, por momentos, cobrir a vasta superficie da terra!

Do alto do Calvario, feito rmo pela fuga dos homens e mergulhado em trevas profundas, ouviu-se um grito de suprema angustia. Era o grito do Suppliciado, e era o ultimo: Jesus tinha expirado!...  

 

(Prximo tpico:  O Processo segundo Renan)

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                   Notas de rodap        *Para voltar ao texto, clique no tpico correspondente 

(1)  Lucas, XXIII, 16

(2) Math. XVII, 20. 

(3) Math. XXVII, 21 - Luc. XXIII,18 - Joan XVIII,40. 

(4) Math. XXVII, 23 - Marc. XV, 13 - Luc. XXIII, 21. 

(5) e (6)  Marc. XV, 11 e   Luc. XXIII4

(7) Tito Livio - Hist. Rom. I, 26.

(8) Digest. L. XL VIII, Tit. IV, n. 3:  "Lex XII Tabularum jubet eum qui hostem concitaverit, quive civem hosti tradiderit, capite puniri"

(9) "Lex autem Julia... praecipit eum qui majestatem publicam laeserit, teneri". Digest. ib.

(10) C. Tacito - L. III, 38.

(11) Svetonio - Vida de Caligula.

(12) Juvenal - Sat. III. 

(13) Ha uma antiquissima  tradio segundo a qual a  sentena condemnatoria pronunciada por Pilatos, teria sido concebida nestes termos: "Jesum Nazarenum, seductorem gentis, contemptorem Caesaris et falsum Messiam, ut majorum suae gentis testimonio probatum est, ducite ad communis suplicii locum et cum ludibriis regiae magestatis in medio duorum latronum cruci affigite. I, lictor, expedi cruces!"     Vide -  No paiz de Christo - do Padre Gonalo Alves, v, pg. 94, nota. Esta sentena tirada de Adrochomio. evidente que o probatum est uma supposio arbitraria de Pilatos, fundamentada sobre informaes falsas . Pois Christo foi accusado de crimes cuja prova nunca foi exhibida. Vide tambem Cornelio a Lapide,  Comm. in Matheum, XXVII, 26. Pilatos, num dos seus habituaes relatorios expedidos a Tiberio, confessa que condemnou a Christo por presso aos judeus, e que na sua opinio pessoal  Christo era um ser divino. Pois extraordinarias eram as cousas que operava  elle mesmo quando vivo, ou os seus discipulos, depois de sua morte, em seu nome. E que por isso era considerado Deus. Em virtude destas informaes, Tiberio apresentou ao Senado romano a  proposta de ter Christo numerado, entre os Deuses. (Corn. a Lapide, Math, XXVII, 26).  Mas o Senado  no achando de peso os factos attribuidos a Jesus,  e a opinio que delle na Palestina se formra, recusou-se a pl-o no numero dos Deuses. "Tibesrius, diz Tertuliano, detulit ad senatum cum praerogativa suffragii sui. Senatus, quia non ipse probaverat, respuit". Vide Tertul.  Apologeticum, v. 5.

(14) Foi um eclipse total, scientificamente inexplicavel, visto ser o 15 de Nisan, dia de plenilunio, isto , visto estar a lua em opposio ao sol. Phenomeno no menos certo, porm, porque alm de ser attestado pelos Evangelistas, o foi por outros contemporaneos ou quasi, como Dionysio, Phlegon e outros. 

Dionysio presenciou o eclipse em Heliopolis, cidade do Egypto, e narra que, pasmo vista de um tal espectaculo, exclamou: Ou est padecendo Deus auctor da natureza, ou est esfacelando a machina do orbe: Aut Deus naturae auctor patitur, aut mundi machina dissolvitur. 

Phlegon, celebre escriptor, liberto do Imperador Adriano, decLara que no anno 4 da 202 Olympiada, houve um grande eclipse solar, sendo, repentinamente, o dia surprehendido pela noite, de maneira que se viam as estrellas brilharem no co. O phenomeno foi attestado tambem pelo historico Tallus embora o achasse inexplicavel, devido posio da lua.

(15) Faz alluso a este terremoto Svetonio (Vida de Tiberio) e, parece, Plinio, Plutarcho e Dion. Cassio. Vide Le Camus de quem nos servimos, em parte, pela nota precedente. E Phlegon, por sua vez, declara que devido a um tal tremor de terra em Nicea, na Bithynia, desabaram muitas casas.  

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