Cid.  Romanos

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O PROCESSO DE JESUS  -  Cidados Romanos

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II PARTE (Segundo Renan)

* Foi preservado o portugus da poca (1921).

   

Os "Cidados Romanos"

Justificada a attitude do Synhedrio, Renan passa a preparar o animo do leitor em favor de Pilatos. Comea, pois, dizendo que "todos os actos de Pilatos que nos so conhecidos, o mostram como administrador". Ba  qualidade, sem duvida,  mas que no impediu a Philon, que o conhecia mais de perto, de attribuir-lhe uma "natureza rude" e  qualifical-o de "prepotente e implacavel". 

Desejra Pilatos, como observa o escriptor francez, "salvar Jesus", porque, afinal, pareceu-lhe,   depois de o  ter interrogado, apenas um "sonhador inoffensivo". Lembrra-se  ento, de trocar Jesus por Barabas, mas falhou o plano, o que lhe causou bastante embarao, receiando at que "tanta indulgencia com um accusado... o viesse comprometer." (1)

Ento o bom administrador, que acabra de  reconhecer em Jesus  um cidado "inoffensivo", o condemnou, tanto para agradar patuleia e aos membros do Synhedrio, ao supplicio da flagellao.  Supplicio barbaro, to barbaro, que o proprio Cicero qualificra-o de media mors, meia  morte. 

Depois da flagellao os soldados  entregaram-se a outros actos de verdadeira selvageria, pondo-lhe sobre os hombros uma farda vermelha, na cabea uma cora de espinhos, uma canna nas mos, esbofeteando-o, cuspindo-lhe no rosto, arrancando-lhe a barba, etc., etc.

Mas veja bem o leitor: O Renan tomou o alvitre de no crr em tal vandalismo. Porque, "custa a  comprehender, diz elle, como a  gravidade  romana descesse a actos to vergonhosos...  Cidados romanos, como eram os legionarios, no desceriam a  taes  indignidades!". 

Santa ingenuidade!  Em se tratando dos judeus, admitte, sem custo, a atroz perseguio movida contra Jesus, e comprehende-se:  os "partidos religiosos", diz elle, no recuam, nunca,  perante uma infamia. Mas tratando-se de "cidados  romanos", de legionarios, seria um conceder demasiado  admittir que descessem a "actos to vergonhosos... a taes indignidades!"

De sorte  que de duas uma: ou os Evangelistas  mentiram, o que no se pde suppr, porque  o proprio Renan reconhece  nos Evangelhos o cunho da sinceridade e  authenticidade historica, ou ento a gravidade romana no era to... grave como quer dar a entender o philosopho francez. Gravidade  romana  e  cidados  romanos!

Mas o Sr. Renan zomba, sem duvida, do bom senso dos leitores! Seria preciso  que  o tempo tivesse  consumido toda a historia contemporanea para poder mystificar o publico com dez grammas de falso sentimentalismo.  

Cidados romanos?  Mas cidado  romano, para citar s alguns e dos mais  conspicuos, era Cesar Augusto, to augusto que fra denominado o Pae da Patria. Este  Pae da Patria, porm, foi visto arrancar, com suas  proprias  mos, os olhos ao Pretor E. A. Galio, quebrar as  pernas  a  Tallo, commeter  adulterio em publico e em presena dos proprios  ludibriados maridos. 

Cidado romano era Tiberio, mas praticou aces  to torpes, diz Svetonio, que quasi no se  acreditariam "e que deveriam envergonhar no s  em  narral-as como em ouvil-as". 

Os romanos  daquelles tempos, disse, se no me engano, Cesar Cant, apenas tiveram liberdade de chorar. Mas  foi, sem duvida, uma distraco do grande historiador  italiano esta, porque o citado Svetonio nos faz saber que era prohibido, por Tiberio, chorar a morte dos  parentes assassinados por ordem  imperial. E conhecido o caso daquella  pobre velhinha, Vicia, que foi condemnada pena capital, pelo crime de  ter chorado a  morte de Gemini, seu filho. 

Cidado  romano era Caligula, mas era um monstro, um sanguinario. Estuprou  todas as irms. Num jantar mandou cortar as mos a  um servo s porque tirra uma bandeja dum logar para collocal-a em outro. Um cavalheiro romano, condemnado a  ser devorado pelas fras no Circo, momentos antes do supplicio, s por ter proclamado a  sua innocencia, mandou-o vir sua presena, arrancou-lhe a  lingua, e ordenou que de novo fosse  atirado s fras. Depois do espetaculo, mandou, um dia, despedaar, pelos animaes, todos os  velhos que l se achavam, os invalidos, os pes de  familias aleijados e doentes. 

Cidado romano era Tiberio Claudio, era, porm, um jogador, um bebedo, um assassino. Mandou matar seus dois  genros Pompeu e  Silano, trinta e cinco Senadores e mais  de trezentos Cavalheiros romanos. O gladiador que no Circo por uma infelicidade escorregasse, o mandava immediatamente esquartejar sua presena. 

Cidado romano era Nero, mas s seu nome inspira terror. Matava  e mandava  matar pelos  mais  futeis  motivos. Assassinou Cassio Lingino porque guardava uma effigie de C. Cassio, P. Trasea porque a natureza no lhe dera um rosto sorridente. Obrigou quatrocentos Senadores e seiscentos Cavalheiros a  se apunhalarem no Circo. Matou Octavia sua mulher  com um pontap no ventre, matou Poppea, outra sua mulher, que se  achava gravida, mandou assassinar a  propria  me. 

Cidado romano era Domiciano, mas alm de  assassino era ladro. At o proprio Tito,  delicia do genero humano, mergulhava suas mos no sangue de seus semelhantes. 

E como se v, estes  no eram uns simples cidados romanos, mas eram tidos como a fina flr, a nata do patriciado. Eram os homens da purpura e do sceptro, cercados de quanto havia de mais nobre, de mais selecto na fora, na opulencia do saber. 

No consta houvesse um s povo, por mais barbaro, que fizesse do homicidio um divertimento publico. Esta particularidade tem sido  privilegio exclusivo do povo romano. Aos centenares, ao milhares eram, os gladiadores, condemnados a  se matarem nos amphitheatros de Roma, a se matarem  com graa e elegancia,  para satisfazer o gosto sanguinario de um povo que s pedia panem et circenses. 

Quasi no havia um jantar em que os vapores do falerno no se misturassem com os vapores do sangue. Pobres infelizes, arrebatados da patria e do lar, viam-se obrigados a  se esquartejarem aos ps de impudicas cortezs e truculentos sybaritas, deitados sobre fotos triclinios, porque esta era a moda em vigor, a sobremesa predilecta dos vencedores do mundo. 

As crueldades  praticadas sobre os escravos so inacreditaveis. Suas carnes palpitantes no raro serviam de isca para as mureias. Por qualquer cousa  eram assassinados. Um tal, matou um escravo porque atravessara uma leita com um espeto, arma que no podia usar; Gneo Domicio, pae de Nero, matou outro, porque no podia mais beber vinho. Uma escrava destinada ao servio da toilette, no podia  ageitar, conforme  o capricho da matrona, a rica cabelleira vinda de alm Rheno? Ou no podia delinear-lhe, com chumbo pulverizado, os arcos superciliares, de conformidade com as exigencias da moda? Ou deixava cahir, por um descuido involuntario, o ramalhete de myrto destinado a ornar-lhe a  esplendida fronte? Ver-se-ia logo toldar a  serenidade do rosto da illustre matrona, e  essas lindas  mos, que acabavam de  ser lavadas  em leite de jumenta, guardado em vaso de finissimo metal, armadas de  um comprido alfinete de prata, com este lhe perfuraria cruelmente os braos e os seios. E no satisfeita, mandal-a-ia suspender pelos cabellos para que fosse flagellada pelo lorario, at julgar-se desaffrontada e dizer: basta!

E quanto aos legionarios  romanos, basta folhear Tacito, ou qualquer contemporaneo, para ter uma ida do requinte de ferocidade com que se  haviam com os vencidos. 

E no podia  ser diversamente, desde  que a carencia absoluta de qualquer  sentimento humanitario era elevada altura de um principio. E como podia  ser de outro modo numa  poca em que o homem era  para outro homem um lobo, em que a compaixo, a caridade, era uma virtude no s desconhecida  na pratica, mas tomada at como signal de fraqueza, como vicio de caracter, em que o philosopho moralista Seneca ensinava, alto e  bom som, que a  compaixo era uma covardia, miseratio est vitium pusillanimi, a misericordia uma doena moral, propria  da  ignorncia, incompativel com os  espiritos cultos,  misericordia est aegritudo nimae: aegritudo autem in sapientem virum nom cadit!"

Pois bem,  depois desta pagina historica que fomos  obrigados a  citar, com risco de  perder de vista o nosso principal objectivo, para dar apenas  uma amostra da  vileza de  sentimentos do povo romano, perguntamos ao leitor si a  perplexidade de Renan (em prestar f   narrao evangelica no que se refere aos actos vandalicos praticados pelos  legionarios romanos sobre a pessa de  Jesus na tragica noite de  quinta para sexta-feira) perguntamos si essa  perplexidade no seria  pueril e ridicula, si no soubessemos que ella esconde um intuito ignobil, qual o de insinuar no espirito do leitor a duvida  sobre um dos mais  lugubres quadros da  paixo de Christo. 

Sim, intuito  ignobil com que se  attenta, a cada  passo, contra a historia, com que se  adulteram os factos, e com que se pe, na maioria  dos  casos, o leitor na impossibilidade de, mediante  estudos  comparativos, separar o joio do trigo em beneficio da  verdade, sacrificada, constantemente, aos caprichos de uma sciencia sectaria e  falsa.     

 

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 (1)  Schegg affirma que a apparente defesa de Pilatos em favor de Jesus no era inspirada por um sentimento de piedade e de justia, mas pelo odio que Pilatos votava aos Phariseus, inimigos fidagaes e irreconciliaveis dos romanos. E isto concorda perfeitamente com a opinio que formaram delle os que de perto o conheceram. Jos Flavio, por exemplo, narra que no viu em Pilatos si no tratos de  brutalidade, perfidia e crueldade.  Herodes  Agrippa I, numa carta dirigida a Caligula, classifica ao procurador romano de "pyrronico, atrevido, implacavel" e o accusa de corrupo, prepotente violencia, ladroeiras, maos  tratos, offensas, execues capitaes, umas seguidas a outras, sem nenhuma  sentena, continua e intoleravel ferocidade"

De que, alis, seu sobeja prova no ultimo tumulto que suffocou em Samaria. E singular cincidncia! O cabea do motim popular era um individuo que se intitulava tambem Messias, quo differente, porm, daquelle que Pilatos condemnra injustamente! Pois este ultimo Messias, que promettia  aos samaritanos de mostrar-lhes, sobre o monte Garizim, objetos sagrados ahi  escondidos por Moyss, este Messias, dizemos, foi a causa occasionalda perda e  ruina de Pilatos. O qual, para dominar a revolta, recorreu a medidas to violentas, que, accusado perante Vitellio, este o obrigou a  ir Roma para se defender em presena de Tiberio. Antes, porm, de  chegar Roma, Tiberio tinha morrido. Pilatos teve de  apresentar-se ao seu successor, Caligula, o qual o desterrou para Vienna das Galias,onde, sobrecarregado de males,  multorum malorum compendium, diz Cornelio a  Lapide, morreu miseramente. 

Segundo S. Agostinho, Pilatos, a instancias de sua  mulher, se converteu ao christianismo, opinio que partilhada tambem  pela  Paradosis Pilatou do seculo 5. , mas de que  muito duvida C. Lapide. O nome de Pilatos e de sua mulher Procula, se encontram  entre os  Santos do Calendario ethiopico, aos  25 de  junho. Eusebio, entretanto, firmado no Chonicon  e em historiadores romanos, assevera que Pilatos acabou suicidando-se. 

Existe uma lenda: Legenda Aurea  de Jacobus de Voragine, segundo o qual o cadaver de  Pilatos, atirado ao Tibre, provocou tamanha tempestade  que foi preciso retiral-o  e leval-o Viena, nas  Gallias, onde foi lanado ao Rhodano, antes, Losanna, depois, e  como  em toda  parte se manifestavam as mesmas convulses meteorologicas, acabou-se por atirar o cadaver a  um pequeno lago, situado sobre o monte Frakmd, fronteiro ao lago de Lucerna, monte  que veiu a  ser denominado, por isso Monte  Pilatos. Na summidade  deste  monte,  fra vista, noites seguidas, uma sombra singular, tendo a forma humana, e em attitude de  lavar as mos. At que, afinal, o mao espirito de Pilatos encontrou descano. - Confr. Wetzer e Welte, I. e. Vol. XVIII, pg. 321; Le Camus, 1. e., Vol II, pg. 562; Cornelius a Lapide , Comm. In Math. XXVII, 19, nota; Felten 1. e. , Vol. I, pg. 211 e seg.   

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